segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Debaixo da lama

O que é perder não apenas o presente, mas também o passado, ao ver desintegrarem-se inadvertidamente, como o relampejar que prenuncia o dilúvio, vestígios de nossa história contidos em cartas, álbuns de família, vídeos, retratos, relíquias? Dói? Ficar sem o fogão e a geladeira não é nada sob essa perspectiva, não?

E, não só: junto com todas essas peças agregadas de inestimável valor emocional que colecionamos por representarem os mais importantes momentos de nossa vida, perder também – mais relevante – as pessoas nelas retratadas, que justificam sua importância e sua própria coleção, como pais, irmãos, netos, tios, avós, cônjuges, filhos, amigos.

Ainda: perder aquilo que dignifica o homem e leva o pão pra casa, o emprego; a formação educacional e profissional, com as escolas e universidades. E por aí vai.

A desoladora tragédia catarinense é democrática, porque atingiu indistintamente a todos os estratos e jogou por terra a razoabilidade da classificação por classes. Socializou. Desalojou todos os atingidos de seus lugares na pirâmide econômica, realocou ricos e pobres sob uma mesma nova condição social de primitivismo e de dependência extrema e subverteu os pilares dos desejos e das necessidades cotidianas básicas. Um celular cuja opção de foto reúne mais pixels, o dvd alugado no fim-de-semana ou a grana para quitar o IPVA; agora o que importa é só poder tomar um simples banho, ainda que frio, beber água, ainda que só um copinho de plástico por dia para que todos possam beber também, ou ter um canto seco e seguro para dormir, ainda que num colchão na horizontal em abrigos comunitários apilhados de tristeza. Parece melodramático, mas é o que está rolando.

A catástrofe é devastadora, porque levou tudo de muitos junto com a água e a lama que correu morros abaixo e margens de rios acima. Em diferentes casos, foram-se os familiares, as comidas, as coisas, as histórias das coisas, o meio para se conseguir as coisas e as comidas. Em muitos casos, tudo caoticamente junto.

Solidarizar-se é fácil e inevitável. O evento, por todo seu largo impacto, que vai do familiar ao turístico, do humanitário ao econômico, impele em nós, observadores inatingidos e espectadores estarrecidos, manifestações quase instantâneas de pesar, comiseração, compreensão, urgência de auxílio. (Ainda que essa nossa manifestação sincera e altruísta esteja imbuída também de uma inevitável e abafada auto-afirmação de bondade). É uma identificação súbita que se dá porque – oras – moramos na mesma República Federativa do Brasil, falamos a mesma língua que aquelas pessoas, também gostamos de arroz-e-feijão, futebol, Santa Catarina. Porque conhecemos lá ou a gente que mora lá. Em suma, porque nada nisso tudo diz que não poderíamos ter sido nós.

Os porta-vozes da tragédia ajudam. Somos confrontados com o desespero dilacerante dos depoimentos que inundam, como as torrenciais águas por lá, a tranqüilidade de nossa vidinha por cá. Tudo trazido pela correnteza dos noticiários da tevê, de motivações, não obstante, discutíveis em alguns casos. Muitos coleguinhas são hábeis craques em arrancar lágrimas.

De qualquer forma, e como as casas nos sopés dos morros, o sentido de nossa rotina é também soterrado inadvertidamente com essas notícias. Não temos culpa, mas, afinal, como fica a razão de nossa rotina frente a evaporação de rotina semelhante de outros? Não permeia uma pontinha de incômodo se preocupar com coisas corriqueiras – absolutamente inocentes e honestas – depois que outros foram assaltados disso, ainda que contribuamos com dinheiro e mantimentos? É estranho, mas esse evento também nos coloca em maus lençóis.

E todo ano – como nesta temporada de chuvas que se aproxima NÃO SERÁ DIFERENTE, – a mesmíssima coisa acontece em diversos bairros pobres de São Paulo sem que se veja tão bonita corrente de solidariedade ganhando o país. Muito menos mobilização semelhante por parte dos governantes da vez para que esse malogro indecente não continue açoitando as mesmas pessoas ano após ano. É por que já não têm quase nada para perder que são menos importantes que os demais?

Por fim, vale questionar o finger pointing (apontar de dedos). De quem é a responsabilidade? Do aquecimento global e da natureza?! Por favor. É louvável que governos federal e estadual estejam mobilizados, enviando dinheiro, pessoal, discursando na tevê. Mas o fazem também para demonstrar preocupação e desviar o foco de suas culpas. A culpa não é da natureza, não! A natureza não é um ser autônomo que age, ataca, pensa e se derrete, caras-pálidas! Aquecimento global não é Aids ecológica.

A responsabilidade é do poder público, que não evitou que áreas de risco e próximas a encostas e vales fossem ocupadas deliberadamente. Que não proveu condições econômicas para que as pessoas não se instalassem em casebres precários em morros inconsistentes, mas em conjuntos habitacionais e bairros afastados. Que ignorou dois grandes avisos em 83 e 84, igualmente letais, que desabrigaram um monte.

É por demais triste essa tragédia, mas é a dissimulação dos responsáveis e dos omissos que mais aparvalha e indigna. Inevitável, porque assim vai ser até a próxima inundação. E a próxima, e a próxima...

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Sobre o Lobão



O cantor Lobão desfiou hoje, em um evento literário em Ouro Preto, um novelo inteiro de críticas ferozes a músicos, como Chico Buarque, e a estilos musicais, como a Bossa Nova. Nenhuma novidade...
Mas eu queria falar um pouco sobre ele.

Estive com o Lobão recentemente em um curso na Faculdade Cásper Líbero, em SP. De maneira que não só pude testemunhar sua intensa metralhadora retórica, como também interpelá-la.


Sabem o que acontece? O Lobão é um paradigma. É assim que eu o entendo. O cara criou um problema existencial para si que resume toda a sua verborragia tão contundente e crítica. E desse paradigma não consegue desvencilhar-se jamais, sob pena de se descortinar o maior dos hipócritas e dos falastrões de que se tem notícia.


Lobão sustenta que, no Brasil, independentemente do valor artístico, valoriza-se mais as produções e os artistas do passado que aqueles que atuam e tentam um lugar ao sol no presente. É uma tese discutível, mas que ao meu ver carrega sua parcela de verdade. É um questionamento válido enquanto análise sobre valoração e auto-estima da cultura brasileira. Nesse ponto, concordo com ele. Não se pode dicotomizar a cultura somente por sua posição na linha do tempo. Fez-se coisas excelentes e execráveis no passado, como faz-se também no presente, não? Agora, se estamos falando de Bossa Nova, Jazz, Sertanejo, Rock, Funk, Caetano, Vinícius, Chico, João, Filé, é uma outra ótica, de ordem meramente individual. Ressalto: sua crítica é válida quando questiona a temporalidade, o olhar exclusivamente saudosista, não quando expressa preferências musicais. Gosto é gosto.


O paradigma do Lobão não se explica pela qualidade da sua música, mas pelo alcance dela. Ele não é mainstream. Não é que ele não seja simplesmente famoso, na acepção "Caras" da palavra. É que ele não é ouvido: seus discos não atingem vendas volumosas, ele não estoura nas rádios, não lota shows. Em suma, não tem razoável acesso junto ao público e ao mercado. E então ele critica essa falta de acesso, sua e de outros. E então menos acesso ele têm. E então ele critica mais, buscando razões para isso, como o jabá e o lobby. E então ele tem menos acesso... Percebem o paradigma Tostines cíclico do Lobão?


Por que ele não é mainstream? Porque sua música é ruim, incompreendida? Porque sua produção é diferente demais dos modelos populares? Porque sempre criticou o sistema que jamais o aceitou?


E se de repente conseguisse vender milhares de discos, e suas músicas então chegassem às rádios? E se ele ficasse conhecido, e as pessoas finalmente descobrissem como seu trabalho é bom e lograssem dá-lo o devido reconhecimento que sempre lhe fora negado? Ele continuaria sendo o mesmo Lobão irascível, crítico e contundente de antes, mesmo o jogo tendo virado a seu favor, mesmo tendo alcançado o reconhecimento e o espaço que desejava?


O Lobão é o Lobão porque ele não faz sucesso. Porque se fizesse, não precisaria atacar o "sistema", nele estaria. O fato de ele achacar outros artistas de maneira extremamente gratuita, desrespeitosa e injustificada – e com termos muitas vezes dos mais chulos e ofensivos – não denota somente que ele é um músico desrespeitoso. Revela, antes, que ele é intransigente com os colegas que não fazem a mesma música que a sua. Revela, antes, um músico carente de autocrítica. Frustrado.



(A saber: suas últimas críticas estão nas primeiras páginas dos principais sites do Brasil. Outras podem ser facilmente encontradas na net ou no youtube, como seu famoso contencioso com o Caetano Veloso, que escreveu uma música-resposta ao cantor. Meu encontro com ele se deu durante uma rodada de entrevistas de um curso de jornalismo cultural. Ele era o entrevistado. Nós, os entrevistadores.)


segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Análises eleitorais


Para não perder o bonde da segunda-feira pós-pleito, algumas considerações sobre o resultado dos sufrágios municipais...



O monstro petano


Em Minas, ainda que nem tudo esteja perdido, ficam cicatrizes e lições.


Depois de começar disparado na corrida do primeiro turno, Márcio Lacerda (PSB) – fruto da mais descabida dissimulação política nacional, a união de forças tucano-petista – chegou suando em bicas ao segundo turno, bem atrás do novato Quintão (PMDB). A parceria foi posta em xeque pelo eleitorado mineiro, o que fez o sangue-novo do PMDB, apoiado por um Hélio Costa que mira em 2010, ganhar espaço. Só que Lacerda conseguiu uma reidratação considerável no decorrer do segundo turno a ponto de vencer as eleições para a capital mineira com certa folga. Tudo certo? Não. O pleito belorizontino deixa algumas lições, a saber:


1) Aécio não tem tanto poder de Midas quanto se lhe creditava. (O que vale também para o PT em Minas e Lula no Brasil): A criatura petana que o governador e o prefeito petista de BH, Fernando Pimentel, forjaram, naquela que foi a primeira das parcerias dos dois maiores e mais antagônicos partidos nacionais, não virou ouro. No máximo latão, ao gerar dúvidas entre o tradicionalmente crítico eleitorado mineiro.


2) Alguém tem dúvidas do escárnio que foi essa aproximação??!! Parceria oportunista e desrespeitosa, que no frigir dos ovos talvez só perda em fisiologismo para Eduardo ex-PSDB Paes sendo apoiado pelo PMDB-PT no Rio. Sem contar as dezenas de miscigenações contraditórias do gênero Brasil afora, em âmbitos quaisquer que sejam, municipais, estaduais ou federais. Alguém ainda vai querer me falar de ideologia partidária?



Marta sai chamuscada. Kassab cacifa Serra.


A forte rejeição de Marta em São Paulo não deixou a candidatura da ex-prefeita ventilar. Dona Marta chegou a seu teto na capital paulista. Teto, aliás, que está agora notadamente mais baixo. Os resultados indicam que a petista perdeu 287 mil votos de seu eleitorado em relação ao segundo turno de 2004, um encolhimento da ordem de 6%. O atual prefeito capitulou para si votos não só de Alckmin, como esperado, mas de praticamente todos os outros candidatos derrotados no primeiro turno.


O que isso significa? Que a reeleição de Kassab se deve menos a um reconhecimento de sua administração e mais a uma rejeição martista, que ganhou ainda mais robustez nessas eleições, especialmente com o imbróglio da malfadada propaganda que indagava a vida pessoal do prefeito. Definitivamente, o tiro no pé da campanha do PT. Mas merece créditos também a mídia descalibrada e tendenciosa, que mais uma vez colaborou sensivelmente para a desinformação eleitoral.


Quem mais ganha é mesmo Serra. A vitória do filhote Kassab, continuísta de sua administração, e a desidratação de Aécio no ninho tucano aumentam seu passe para o pleito presidencial de 2010. Kassab se fortaleceu, mas ainda não tem músculo para o governo paulista daqui a dois anos, o que abre vácuo para a reabilitação de um agora fracassado Alckmin.



A vitória do fisiologismo, a derrota da moral


Os cariocas perderam uma grande oportunidade de frear o fisiologismo e administração por interesses. A eleição de Eduardo Paes (nesse momento no PMDB, vai saber aonde amanhã...), tal qual a de Lacerda em BH, é lamentável do ponto de vista da coerência política. Paes já foi tucano aguerrido, época de mensalão, e chegou acusar o presidente Lula de participação no suposto esquema. Foi para o sem-face PMDB, partido da base aliada e de seu agora padrinho político Sérgio Cabral, um dos principais aliados do presidente, pediu desculpas para Lula, disse que se equivocara, ganhou indulto, apoio e pronto, ficou por isso mesmo, beijo, me liga. É isso aí. Esmagaram a ética e a decência despudoradamente.


Gabeira, dos poucos candidatos nessas eleições com convicções ideológicas claras e propostas duras e ousadas para uma cidade rachada como o Rio, perdeu ante uma criminosa – sim, criminosa! – campanha peemedebista, que dentre outras coisas o classificou de maconheiro, defensor dos cafetões, terrorista, anti-suburbano, usou de panfletos apócrifos, e por aí vai...

Como bem disse Demétrio Magnoli, a campanha no Rio deixa a campanha “homofóbica” de São Paulo no chinelo.


Detalhe, retirado do blog do Noblat, a título de remorso: Paes derrotou Gabeira por 55 mil votos. Os cariocas que deixaram de votar somaram 923 mil.


Se arrependimento matasse...



Em Salvador...


ACM Neto foi derrotado. No primeiro turno. ACM Neto, derrotado. É o carlismo em vias de extinção. Precisa dizer mais alguma coisa? João Henrique e Walter Pinheiro, PMDB e PT, eram xixi e urina mesmo...


Boa tarde.



sexta-feira, 24 de outubro de 2008

A culpa de Eloá


Boa tarde, amigos

Já pararam pra pensar qual a culpa de Eloá nessa história?

Será que realmente não existem motivos que justifiquem atos impensados?
Não estou questionando o desfecho. Só quero discutir psicologicamente o caso.

É muito simplório afirmar que ele sofria de algum distúrbio mental.

Perceberam que até a mãe da menina sempre falou bem do cara? Sem contar os amigos e familiares.

Por tudo isso, a grande questão que a imprensa deveria abordar, que talvez me ajudasse a compreender e amadurecer mais sobre atitudes como essa, seria: qual a responsabilidade de Eloá na formação psicológica de Lindembergue?

Minha opinião eu manifesto nos comentários.

Um abraço a todos,

Salve, simpatia!

Murilo Netto

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Congênito?

Na primeira postagem, não poderia deixar de publicar o meu olhar sobre a obra do "cara"...

Congênito
Luiz Melodia

Se a gente falasse menos,
Talvez compreendesse mais
Teatro, boate, cinema...
Qualquer prazer não satisfaz
Palavra figura de espanto
Quanto na terra tento descansar

O tudo que se tem não representa nada
Tá na cara que o jovem tem seu automóvel
O tudo que se tem não representa tudo
O puro conteúdo é consideração...
Quem não vê, não goza de consideração...

Salve, Melodia!

Salve!

Dois pesos, duas medidas

Nas suas edições de hoje, tanto a Folha de S. Paulo quanto o Agora trazem estampada nas suas capas foto da menina Nayara, ainda no hospital. Não é por menos, já que as imagens retratam a primeira aparição da jovem após a alta médica. A questão não é essa.

Ainda que ambas publicações pertençam ao mesmo Grupo (Folha), enquanto a primeira traz nítida e cristalina foto da adolescente e cita seu nome na íntegra no corpo das reportagens que se seguem, o Agora limita-se a publicar apenas as inicias N.S. e foto da jovem com um borrão na altura dos olhos.

Natural a postura do Agora, já que se trata de uma menor de idade e, sabemos todos, por questões legais e como regra geral não se identifica menores em veículos de comunicação. Por mais que a imagem das duas protagonistas desse sequestro tenham sido repisadamente mostradas tvs afora nesses dias passados.

Mas é curiosa é a atitude da Folha, main vehicle do Grupo e, principalmente, o contraste editorial que ficou em relação a seu principal fillhote.

Não sei se passou batido para outras pessoas, mas eu fiquei com uma sobrancelha arqueada.

Com a palavra, o ombudsman Lins da Silva.

Inaugurando com um pouco de inspiração


Entre canções que ouvi
Entre notícias que li
Entre risadas fiquei
Na qualidade esperei
Voce não veio
Medo ou receio

ahã......

Frases bonitas e modernas
Um colorido com vida
No afagar de outro humano
Eu sempre sei, fui traído
Mas tudo é beleza
Mas vale a franqueza

ahã......

Eu comunico e não peço
Espero que neste universo
Alguém me queiras como Eu
Faço de mim o que posso
e de vocês qualquer troço

"Salve linda canção sem esperança", do Melodia, cara que leva a música até no sobrenome. E que inspirou o título deste nobre espaço.