quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Sobre o Lobão



O cantor Lobão desfiou hoje, em um evento literário em Ouro Preto, um novelo inteiro de críticas ferozes a músicos, como Chico Buarque, e a estilos musicais, como a Bossa Nova. Nenhuma novidade...
Mas eu queria falar um pouco sobre ele.

Estive com o Lobão recentemente em um curso na Faculdade Cásper Líbero, em SP. De maneira que não só pude testemunhar sua intensa metralhadora retórica, como também interpelá-la.


Sabem o que acontece? O Lobão é um paradigma. É assim que eu o entendo. O cara criou um problema existencial para si que resume toda a sua verborragia tão contundente e crítica. E desse paradigma não consegue desvencilhar-se jamais, sob pena de se descortinar o maior dos hipócritas e dos falastrões de que se tem notícia.


Lobão sustenta que, no Brasil, independentemente do valor artístico, valoriza-se mais as produções e os artistas do passado que aqueles que atuam e tentam um lugar ao sol no presente. É uma tese discutível, mas que ao meu ver carrega sua parcela de verdade. É um questionamento válido enquanto análise sobre valoração e auto-estima da cultura brasileira. Nesse ponto, concordo com ele. Não se pode dicotomizar a cultura somente por sua posição na linha do tempo. Fez-se coisas excelentes e execráveis no passado, como faz-se também no presente, não? Agora, se estamos falando de Bossa Nova, Jazz, Sertanejo, Rock, Funk, Caetano, Vinícius, Chico, João, Filé, é uma outra ótica, de ordem meramente individual. Ressalto: sua crítica é válida quando questiona a temporalidade, o olhar exclusivamente saudosista, não quando expressa preferências musicais. Gosto é gosto.


O paradigma do Lobão não se explica pela qualidade da sua música, mas pelo alcance dela. Ele não é mainstream. Não é que ele não seja simplesmente famoso, na acepção "Caras" da palavra. É que ele não é ouvido: seus discos não atingem vendas volumosas, ele não estoura nas rádios, não lota shows. Em suma, não tem razoável acesso junto ao público e ao mercado. E então ele critica essa falta de acesso, sua e de outros. E então menos acesso ele têm. E então ele critica mais, buscando razões para isso, como o jabá e o lobby. E então ele tem menos acesso... Percebem o paradigma Tostines cíclico do Lobão?


Por que ele não é mainstream? Porque sua música é ruim, incompreendida? Porque sua produção é diferente demais dos modelos populares? Porque sempre criticou o sistema que jamais o aceitou?


E se de repente conseguisse vender milhares de discos, e suas músicas então chegassem às rádios? E se ele ficasse conhecido, e as pessoas finalmente descobrissem como seu trabalho é bom e lograssem dá-lo o devido reconhecimento que sempre lhe fora negado? Ele continuaria sendo o mesmo Lobão irascível, crítico e contundente de antes, mesmo o jogo tendo virado a seu favor, mesmo tendo alcançado o reconhecimento e o espaço que desejava?


O Lobão é o Lobão porque ele não faz sucesso. Porque se fizesse, não precisaria atacar o "sistema", nele estaria. O fato de ele achacar outros artistas de maneira extremamente gratuita, desrespeitosa e injustificada – e com termos muitas vezes dos mais chulos e ofensivos – não denota somente que ele é um músico desrespeitoso. Revela, antes, que ele é intransigente com os colegas que não fazem a mesma música que a sua. Revela, antes, um músico carente de autocrítica. Frustrado.



(A saber: suas últimas críticas estão nas primeiras páginas dos principais sites do Brasil. Outras podem ser facilmente encontradas na net ou no youtube, como seu famoso contencioso com o Caetano Veloso, que escreveu uma música-resposta ao cantor. Meu encontro com ele se deu durante uma rodada de entrevistas de um curso de jornalismo cultural. Ele era o entrevistado. Nós, os entrevistadores.)